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quinta-feira, 25 de março de 2010


MICRO/MACRO - MARCELO GLEISER





ERÇA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2010

Gleiser critica rumos da física


Cientista brasileiro chama de metafísica a busca de uma teoria única para as forças da natureza


Marcelo Gleiser




por José Paulo Lanyi.
Fotos de Paulo Vellozo





Todas as evidências experimentais mostram que é uma obstinação equivocada o caminho trilhado por grande parte dos físicos teóricos para unificar em uma ‘teoria total’ as quatro forças conhecidas até hoje pela ciência (eletromagnética, gravitacional, nuclear forte e nuclear fraca). Essa foi a posição apresentada pelo físico Marcelo Gleiser, na sexta-feira (19/03), a uma plateia de professores e estudantes do Instituto de Física Teórica (IFT), além de pesquisadores de outras instituições e interessados em geral.

Para Gleiser, o sonho de obter uma única equação para descrever essas quatro forças esbarra em um problema sem solução: é impossível obter todas as informações empíricas para justificar uma teoria unificada da natureza. "Chega uma hora em que a gente tem que entregar os pontos", afirmou o físico .

Na palestra, realizada no auditório do Instituto de Artes (IA), que integra com o IFT o câmpus da Barra Funda, Gleiser recorreu à história da ciência para justificar a sua visão sobre esse tema, que permeia o seu livro Criação Imperfeita - Cosmo, Vida e o Código Oculto da Natureza (Editora Record, 2010, 366 págs.).

Professor de Física e Astronomia do Dartmouth College em Hanover (EUA), onde dirige um grupo de pesquisa em física teórica, Gleiser também é conhecido por seu trabalho como divulgador científico, em livros, artigos, programas de televisão, documentários e consultoria para o cinema.

A convite do diretor do IFT, Rogerio Rosenfeld, ele apresentou e debateu com o público o conteúdo do seu novo livro. Os dois pesquisadores são amigos desde 1985, época em que Rosenfeld fazia o seu doutorado na Universidade de Chicago (Illinois, EUA) e o segundo pesquisava para o seu pós-doutorado no Fermilab (Laboratório Nacional Fermi), próximo a Chicago.

Na entrevista a seguir, Gleiser conversa sobre os fatores metodológicos que o levaram a mudar de ideia em seu entendimento científico sobre uma "teoria total". Ele também faz críticas ao que classifica de dogma, na busca de setores da ciência pela predominância de uma teoria. "É uma coisa meio protegida, e se você não trabalha nisso [as supercordas], você não ganha bolsa."

Portal Unesp - Até que ponto o senhor consegue ter segurança para optar por um novo caminho na ciência?
Marcelo Gleiser - Não existem seguranças, existem percepções. Uma das coisas que eu falo é que a ciência não consegue chegar a uma verdade absoluta. Ela consegue chegar a narrativas cada vez mais completas da realidade. O que eu estou fazendo é uma análise essencialmente crítica, não da conclusão, mas da percepção, que é aberta na ciência, de que existe essa estrutura fundamental unificada por trás das coisas. A gente não tem nenhuma prova empírica de que isso seja verdade. E a física é uma ciência empírica. Então, depois de trinta, quarenta anos de essa percepção não ter sido provada, está na hora de mudar um pouco essa rota e começar a repensar qual é realmente a lição que a natureza está nos dando.

Portal Unesp - Nós estamos falando do contexto de descoberta. Nessa fase, hipóteses, teorias ou especulações também não seriam valiosas, mesmo que ainda não se tenha um resultado empírico?
Gleiser- Sem dúvida. Eu me lembro de que o meu pai me dizia: ‘Meu filho, um resultado negativo também é um resultado positivo’. Quer dizer, uma maneira de você testar uma teoria é provar que ela está errada, não só provar que ela está certa. O problema é que essas ideias em ciência não conseguem nem ser testadas. Estão além do método empírico, que é por definição como a ciência funciona. É um problema de metodologia absoluto, em que você não consegue nem provar que a sua teoria está certa ou que está errada. Então você passa a outra esfera, que para mim não pertence à física.

Portal Unesp - Na sua exposição, o senhor disse que, em relação a um modelo de ‘teoria total', não se tem conseguido fazer predições. O senhor parte do princípio de que não se consegue fazê-las porque ainda não se conseguiu testar essa teoria?
Gleiser - Não. Quando você desenvolve uma teoria, as teorias sempre fazem previsões. Por exemplo: se a minha teoria estiver certa, esse [um determinado] fenômeno vai ocorrer. Então você vai lá e busca por esse fenômeno com os seus instrumentos. O que está acontecendo é que algumas das teorias de unificação são tão abstratas, tão metafísicas que elas não conseguem nem fazer uma previsão que possa ser testada. Então a coisa fica muito difícil.


Patrulhamento

Portal Unesp - O senhor fala de dogma ao se referir à atitude de defensores da teoria das supercordas, o que parece ser uma reação sua a uma espécie de 'patrulhamento' no mundo da física em relação a quem pensa diferente. É isso que o senhor está dizendo?
Gleiser - É isso. Existe toda uma ‘sociologia’ em relação a isso. Teve um livro de um autor chamado Lee Smolin, que em português seria "O Problema com a Física" [The Trouble with Physics: The Rise of String Theory, The Fall of a Science, and What Comes Next]. Ele fala, vamos dizer, dessa ‘sociologia’. Se você não faz parte do clube, você está fora, ninguém aceita as suas ideias. É uma coisa meio protegida, e, se você não trabalha nisso, você não ganha bolsa, porque os comitês que decidem as bolsas têm um pessoal que trabalha só nisso. Muitos dos empregos acadêmicos nos anos 80 e 90 eram para quem trabalhava em supercordas. Ponto. Se você não mexesse com isso, era muito difícil você conseguir emprego. Você pode fazer uma analogia. Nessas teorias, você tem o papa, ou alguns papas, você tem um bando de cardeais e uma porção de padres. Então existe uma hierarquia ideológica que esses papas aí, como o Eddie Whitten e alguns outros, lançam as ideias fundamentais da teoria e todo mundo vai atrás.

Portal Unesp - Apesar de saber que os cientistas em geral não têm interesse em filosofia da ciência, cabe aqui uma pergunta: o senhor chegou a essa nova visão metodológica a partir da sua própria verificação das teorias e experiências ou também se baseou em fontes como Karl Popper [1902-1994], Thomas Kuhn [1922-1996] e Imre Lakatos [1922- 1974]?
Gleiser - Eu acho que é uma combinação das duas. Eu, modéstia à parte, sou um dos raros físicos que gostam, estudam e entendem um pouquinho de filosofia e de história da ciência. Não tem muitos, porque a maioria fica realmente muito focada na pesquisa, naquela área ali. Muito por esse meu trabalho de divulgação de ciência, mas mesmo antes disso, eu sempre me interessei pela parte da história da ciência. Li o Lakatos, li o Thomas Kuhn, li o Popper. Eu tenho uma formação talvez um pouco mais crítica nesse sentido, mais humanista da ciência. Então eu acho que essa minha mudança de posição não foi uma coisa abrupta, foi uma coisa gradual, uma maturação profissional que ocorreu com o casamento dessas duas coisas, o lado empírico e o lado mais filosófico.


Teorias não-testáveis

Portal Unesp - Em linguagem popperiana, pode-se dizer que uma das suas constatações é de que esse esforço em busca da simetria está levando a teorias que não são falseáveis?
Gleiser - Exatamente. Segundo Popper, você tem que provar que uma teoria está errada. E essas teorias [da 'totalidade'] você não consegue provar nunca que elas estão erradas, porque você pode sempre ajustar os parâmetros e falar: 'Ahá! Essa teoria você tem que testar em uma energia maior'.

Portal Unesp - O enunciado dessas teorias não seria falseável em vista do nível de abstração?
Gleiser - Algumas. Tem de tudo. Algumas são tão loucas que realmente estão fora do método.

Portal Unesp - Nessa teoria das supercordas, há alguma que seja testável?
Gleiser - Não. No momento, diretamente não. Só indiretamente. Se descobrirem partículas com certas propriedades, elas indicarão que talvez possa existir o que está na teoria das supercordas. Mas mesmo assim é uma evidência indireta.

Portal Unesp - Pela teoria de Thomas Kuhn, ciência é o que uma comunidade de especialistas diz o que a ciência é. Em relação a esse ‘grupo das supercordas’, a impressão, a partir do que o senhor está propondo, é de que seja uma comunidade que dita o que deve ser estudado pela ciência. Embora o senhor diga que, por carecer de uma base empírica, não seja ciência. [A visão desse grupo] é de uma espécie de ‘Thomas Kuhn ao contrário’. Seria isso?
Gleiser - É interessante essa idéia, é por aí... Mas, quer dizer, eles não acham que não é ciência. Eles acham que é ciência absoluta.

Portal Unesp - Em Thomas Kuhn, isso remete à teoria da incomensurabilidade ou incomunicabilidade entre os adeptos de diferentes paradigmas científicos. Mas, de qualquer forma, espera-se que o cientista faça uma verificação empírica, que faça medições.
Gleiser - A mensuração deles é a seguinte. Em um certo limite, as teorias de supercordas reproduzem a gravidade. Então, para eles isso já é o máximo. ‘Se a minha teoria reproduz a gravidade, ela prevê que a gravidade tem que existir’. Para eles, isso já é um sucesso da teoria. Mas você pode construir uma teoria completamente errada e que seja compatível com um fato concreto. A compatibilidade de uma teoria com um fato não significa que ela esteja certa.

Portal Unesp - Esses vinte ou trinta anos de insucessos da ciência na busca por justificar as 'teorias de unificação', conforme o seu ponto de vista, são mesmo suficientes para levarem o senhor a mudar de ideia em relação à possibilidade de sucesso dessas hipóteses?
Gleiser - Existe um obstáculo fundamental. A gente só conhece o mundo através dos nossos instrumentos. Tudo o que a gente conhece da realidade física é porque a gente mede: bactérias com os nossos microscópios, as galáxias distantes com os nossos telescópios... Esses instrumentos, mesmo que eles sejam muito poderosos, têm um limite na precisão. Você não pode ir além disso. Então existe toda uma fachada da realidade que é absolutamente invisível para nós. É impossível, a priori, construir uma teoria total da natureza porque você nunca vai ter a totalidade de informação da natureza para poder demonstrar se essa teoria está certa ou se está errada. Você jamais pode empiricamente demonstrar que essa é uma teoria final, porque, mais tarde, daqui a cinquenta anos, quando os seus instrumentos estiverem mais poderosos, você puder ver uma coisa de uma forma mais profunda, pode descobrir que tem um outro aspecto que você nem podia imaginar que existia. Então, a priori, essa ideia de totalidade do conhecimento é errada.

Imperfeição da natureza é tema de novo livro de Marcelo Gleiser


23/03 - 12:27 - Priscila Borges, iG Brasília
O físico Marcelo Gleiser, 51 anos, se acostumou a decifrar a ciência para o público leigo. Programas de TV, coluna em jornal, palestras -- os meios utilizados pelo experiente cientista e professor são inúmeros. O esforço de Gleiser, que decidiu ser físico ouvindo do pai que ninguém “o pagaria para contar estrelas”, tem uma razão nobre: dar às pessoas a chance de construir uma visão mais crítica do mundo. Para ele, a compreensão da ciência liberta o ser humano do medo do desconhecido. 
 
“Não é só a tecnologia que faz do mundo de hoje diferente do mundo de Cabral, em 1.500. O modo como ele pensava que o mundo era é totalmente diferente. A ciência faz parte da nossa cultura. As pessoas precisam absorver isso até como ferramenta para desenvolver um pensamento mais crítico”, afirma o professor de física teórica na Dartmouth College, nos Estados Unidos. Agora, Gleiser pretende ir além e quebrar paradigmas da ciência, mostrando que a natureza não é perfeita.

O assunto do novo livro de Marcelo Gleiser, Criação imperfeita — Cosmo, vida e o código oculto da natureza, publicado pela Editora Record, foi o mote usado pelo autor para mostrar aos estudantes da Universidade de Brasília (UnB) que não há limites para o conhecimento. Nesta terça-feira, ele falou a calouros e veteranos em um evento organizado pela reitoria para receber os alunos: a Aula da Inquietação. O objetivo do encontro é levar os jovens a refletir sobre o papel deles na universidade.

“Queria mostrar a eles que o conhecimento não é uma coisa finalizada. É um processo e cada um de nós contribui para ele”, comenta o físico. “As visões de mundo que a gente constrói estão sempre em fluxo e a coisa mais importante que se pode aprender na escola ou fora dela é pensar criticamente sobre o que você aprende e sobre o mundo”, sentencia.

A voz da experiência
Gleiser fala de si próprio quando toca nesse assunto. O novo livro é fruto das mudanças de pensamento que ele viveu ao longo de anos de estudo e pesquisa. Ele conta que, quando começou a carreira, acreditava que havia uma ordem unificadora de tudo o que existe no universo – como boa parte do mundo ocidental. Buscava por uma teoria final, que explicasse o sentido e o funcionamento do cosmo. “Hoje mudei completamente minha percepção da realidade”, diz, categórico.
Marcelo Gleiser: natureza cria através de imperfeições e assimetrias
Para o cientista, a perfeição e a simetria da natureza são fantasias. “Não há nada de concreto que aponte nesse caminho. As pistas vão na direção oposta”, avisa. Gleiser conta que as experiências que desenvolveu mostraram que a natureza cria por meio de suas assimetrias e imperfeições. No novo livro, há um capítulo dedicado exclusivamente a Johannes Kepler, físico que buscava a perfeição da forma dos movimentos celestes. O capítulo, chamado de O erro de Kepler, critica a insistência da perfeição.

“Chega um ponto em que a gente tem de deixar de insistir nessa busca pela ordem, que é mais uma produção de um desejo nosso, e olhar para o que a Terra quer nos dizer”, enfatiza o físico. Ele classifica a própria obra como um manifesto. Um manifesto sobre a importância da vida e do homem para o universo. “Os seres humanos, cada vez mais desacreditados, têm uma vida complexa e inteligente muito rara. Somos como o que o universo pensa sobre si mesmo. Essa consciência cósmica é essencial para preservar o que a gente tem”, diz.
Compreender a complexidade da vida e da natureza, na opinião de Gleiser, é criar uma relação espiritual com o universo. “É uma direção de nova espiritualidade, que nada tem a ver com religião organizada”, afirma.

Entrevista Correio Brasiliense

Marcelo Gleiser diz por que deixou de buscar uma explicação única para o Universo e passou a se interessar pelo estudo da assimetria 

Publicação: 22/03/2010 07:00

Durante entrevista à uma rádio brasiliense, o físico Marcelo Gleiser explicava, em plena Rodoviária do Plano Piloto, as teorias mais modernas sobre a astrofísica e a origem do Universo. Enquanto o pesquisador dava detalhes sobre a teoria do big bang, que afirma que tudo surgiu de uma imensa explosão há cerca de 14 bilhões de anos, um rapaz que passava pelo local perguntou: “Então, o senhor quer tirar até Deus de nós?”.

A provocação quase involuntária do homem foi capaz de influenciar o pensamento de um dos maiores cientistas brasileiros da atualidade. Dilemas como as relações entre ciência, religião e espiritualidade e os limites do conhecimento humano são apresentados em seu novo livro, Criação imperfeita — Cosmo, vida e o código oculto da natureza (Record), lançado recentemente.

Carioca, 51 anos, formado em física pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Gleiser tem mestrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e doutorado pelo King's College London, do Reino Unido. Ele, que desde 1991 é professor de física teórica na universidade americana Dartmouth College, em Hanover, conversou com o Correio sobre essa e outras questões que inquietam leigos e cientistas de todo mundo.

Lidar com o mistério é com ele mesmo. Amanhã, o físico ministrará a Aula da Inquietação da Universidade de Brasília (UnB), evento em que cientistas de renome internacional abordam questões filosóficas do mundo contemporâneo e estimulam os universitários a refletir sobre seu papel no desenvolvimento da ciência.

O senhor leva conhecimento de ponta na área da astrofísica para o leitor comum, que não tem grande bagagem científica. Como surgiu esse trabalho?
Em 2007, eu lancei meu primeiro livro, chamado A dança do Universo, onde eu contava um pouco da história da cosmologia, de como o homem vem explicando a história do Universo, desde os mitos de criação até a ciência moderna. Eu fiquei surpreso com a receptividade das pessoas a esse tipo de ideia. O livro foi muito bem, ganhou o Prêmio Jabuti. Foi aí que percebi que existia um apetite muito grande das pessoas com relação a esse tipo de questionamento. Desde então, continuo fazendo isso, trazendo a ciência para as pessoas comuns.

Quando o senhor decidiu que seria cientista? Acontecimentos da sua infância, como a morte prematura de sua mãe, e da sua adolescência conturbada influenciaram de alguma forma na escolha?
Sem dúvida foram muito importantes. Nós somos produto de nossa história. Não há como evitar sermos uma combinação de nossos genes com a nossa história. Eu compartilho a minha história pessoal para mostrar ao leitor que eu também sou produto de um passado, que minhas escolhas profissionais e minha carreira também são fruto das experiências vividas por mim. Tento fazer o leitor embarcar em uma viagem intelectual, mas com um amigo, alguém que ele conheça. Humanizar a ciência.

A ciência pode explicar tudo? O senhor ainda acredita que um dia o ser humano terá a resposta para todos os seus questionamentos?
Não, eu acredito que a ciência não pode explicar tudo. O que não quer dizer que eu acredite que existam fenômenos sobrenaturais ou coisas desse tipo. O que todas as pessoas precisam saber é que a ciência é uma construção humana, é uma criação nossa, por isso ela explica o mundo da melhor maneira que a gente pode. Isso significa que, como somos criaturas limitadas, as nossas explicações do mundo também são limitadas. A ciência é uma narrativa, algo que criamos para entender o mundo em que vivemos. Ela reflete a humanidade nas suas maiores criatividades e também nas suas maiores limitações.

O senhor passou grande parte de sua carreira trabalhando em uma expressão matemática unificadora, que conseguisse explicar tudo que existe no Universo. Hoje, afirma que essa unificação não existe. Como ocorreu essa mudança tão drástica de visão?
A gente só pode tomar uma decisão dessas quando realmente faz parte do processo. O fato de eu ter trabalhado anos nessa área me equipou com muita habilidade técnica, com muita matemática, com muita bagagem conceitual, mas também com muita capacidade crítica para ver até que ponto aquele caminho que eu seguia estava certo ou não. Então, depois de anos de reflexão e pesquisa nessa área, eu comecei a ver que essa busca por uma teoria final era mais uma crença do que uma realidade científica.

Então, o senhor acredita que nunca poderemos chegar a uma explicação única para todo o Universo?
É muito importante as pessoas entenderem que a ciência se baseia nas medidas que a gente faz. Você pode ter a ideia mais genial do mundo. Se ela não for confirmada por experimentos, não é ciência. O que está acontecendo é que essa noção de teorias finais, de explicações únicas, são teorias que já estão no mercado há 30 anos e estão muito longe de serem testadas. Acho que temos de começar a pensar: “Será que esse é o caminho certo ou será que a natureza está contando uma outra história pra gente e estamos nos recusando a ouvi-la?” Há uns oito anos, eu dei uma acordada e concluí que esse caminho que estamos seguindo com tanta avidez talvez seja o caminho errado. A ideia é tentar olhar para um outro caminho, e ver que ele faz sentido.

Qual seria a alternativa para esse modelo de pensamento que busca uma teoria final?
Essa ideia de uma teoria final, que seja uma explicação universal, é uma noção que depende muito da ideia de perfeição e simetria. De que, por trás das imperfeições e das variações do mundo, existe uma regularidade, um padrão. Só que, quando vamos olhando para o mundo, fazendo experimentos, a gente descobre que não é bem assim. Por que existe matéria? Por que existem galáxias? Porque existe a vida? Por que existe a vida complexa? Todos esses processos, que chamamos de formação de estruturas materiais — como nós mesmos, que somos a estrutura material mais fascinante que existe, já que somos um bando de moléculas com capacidade de pensar —, dependem de imperfeições, de assimetrias. A natureza cria por meio de suas imperfeições. Eu acho que esta é uma das lições mais importantes a serem aprendidas. Que não é na simetria, na perfeição, que nós vamos encontrar a verdade, mas, sim, focando nas diferenças que desvendaremos os mecanismos criativos da natureza.

E a relação entre religião e ciência, o senhor acha que esses dois aspectos tão conflitantes podem estar de alguma forma ligados?
Eu acredito que ciência e religião têm, sim, algo em comum. Acho que essa ideia de que existe uma unidade por trás das coisas é um ponto em comum. Essa história de que existe uma teoria final única é uma infiltração monoteísta na ciência. Por outro lado, acredito que essas noções, tanto religiosa quanto científica, estão erradas. Não é por aí que temos de ficar olhando para o mundo, mas é justamente tentando nos distanciar dessas questões abstratas de perfeição. Devemos olhar para o mundo como ele é, e não como gostaríamos que ele fosse.

Sendo assim, a religião não acaba perdendo o seu sentido?
Absolutamente não. A religião continua tendo a sua função. Quem sou eu para criticar as pessoas que acreditam em Deus? Eu acho que todo mundo escolhe no que quer acreditar. Existem dois tipos de pessoas: as sobrenaturalistas, que acreditam que existem explicações sobrenaturais, coisas que vão além do tempo, do espaço e da matéria, como deuses e espíritos; e as naturalistas, que acham que o fato de a gente não conhecer todos os detalhes não quer dizer que tenhamos de evocar entidades sobrenaturais. Já deu pra ver que eu sou um naturalista.

Como é sua relação com a espiritualidade?
As pessoas acham que, porque é cientista, você tem que ser uma pessoa racional, fria, materialista e que nega o valor da espiritualidade, quando é justamente o oposto. Dedicar a vida ao estudo da natureza, para tentar decifrar os mistérios da criação, é uma atitude profundamente religiosa e espiritual. Tenho uma atração muito profunda pela natureza, e o meu trabalho como cientista se reflete nisso. Você pode ser perfeitamente espiritual sem ser uma pessoa religiosa, no sentido ortodoxo da palavra. E eu acho que esse movimento de se entender a espiritualidade da natureza e a nossa relação espiritual com o mundo talvez seja uma nova forma de espiritualidade que esteja emergindo no século 21. Eu acho que essa nova forma de religiosidade vai ser extremamente importante para o futuro da humanidade, porque ela nos liga diretamente ao planeta Terra e à importância da vida.

Em tempos de mudanças climáticas, essa nova forma de espiritualidade pode alterar a maneira que tratamos a Terra?
No meu último livro, eu dedico um capítulo inteiro a uma espécie de manifesto ecológico. Acho que vivemos um novo paradigma, em que o homem se torna o centro do universo, que eu chamo de humanocentrismo. Nós somos seres extremamente raros e preciosos, e temos uma missão extremamente importante, que é a preservação da vida terrestre. Eu acho que nós temos que celebrar a nossa existência e fazer dela uma coisa construtiva para poder salvar este planeta.

O que faz de nós seres tão especiais a ponto de estarmos no centro do Universo?
Antigamente, existia uma noção de antropocentrismo, com origem no período da Renascença, em que o homem foi criado por Deus e que, por isso, a Terra era o centro do Universo, e nós éramos o máximo. Eu digo que não é nada disso. Quer dizer, o que a ciência moderna nos ensinou é que quanto mais a gente aprende sobre o mundo, menos centrais nós ficamos. A Terra não é o centro do Universo, nossa galáxia também não é o centro do Universo, nós somos formados de uma matéria que existe pelo Universo afora, somos criaturas perfeitamente naturais, não existe nada de sobrenatural na gente. Mas, por outro lado, quando a gente estuda a existência de vida em outros planetas, vemos que ela é muito rara. A vida complexa é mais rara ainda. Vida inteligente nem se fala. Isso nos torna extremamente importantes, por sermos seres pensantes no Universo, que é tão hostil. Essa é a temática do humanocentrismo: nós retornamos ao centro das coisas, não porque somos seres sobrenaturais, mas porque somos seres raros, preciosos e que vivem em Universo extremamente hostil à vida.

No livro Cartas a um jovem cientista, o senhor compartilha experiências com jovens que queiram seguir o caminho da ciência. Que mensagem deixaria hoje para eles?
Eu pediria para que eles não se deixassem abater pelo que se diz por aí, que não existe futuro para a ciência, que não existe emprego, porque existe sim. E é muito importante um cientista aprender a resolver problemas relacionados à ciência, mas também aprender a escrever e a falar bem para apresentar as suas ideias. Porque ideias que são boas não são ouvidas, se não forem bem expressas. Isso é uma lição muito importante a ser aprendida para quem quer seguir esse caminho.

Os excessos do racionalismo

Erro de Kepler:

19 de março de 2010
Por Marcelo Gleiser

Kepler é popularmente conhecido por sua descoberta das três leis do movimento planetário: as órbitas são elípticas, os planetas varrem áreas iguais em tempos iguais ao redor do Sol, e sua lei harmônica, uma relação matemática entre o tempo que leva para um planeta orbitar o Sol e sua distância dele.

Estas foram as primeiras leis quantitativas da Astronomia, encontrada no livro de Kepler, Astronomia Nova, publicado em 1609, o ano de Galileu apontou seu telescópio para o céu. O que as pessoas não aprendem na escola é o que motivou seu pensamento.(Ou de Galileu ou de Copérnico, ou de Newton, uma verdadeira lacuna em uma pragmática e rígida educação científica. Mas isso é para outro dia.)

Kepler foi um pitagórico verdadeiro, um crente na noção de que o cosmo é, em última análise racional, construído por Deus de acordo com regras geométricas que os homens, através da sua criatividade e dedicação total à filosofia natural, poderiam entender. Nisso, Kepler é talvez o melhor exemplo da metáfora do "espírito de Deus", de que existe uma ordem subjacente à natureza que podemos descobrir, através da aplicação diligente do método científico.

Nisso, Kepler era um homem com um pé na Academia de Platão e outro no futuro: ele acreditava que a Natureza poderia ser entendida a priori, apenas pela mente, embora ele também acreditava que qualquer teoria tinha de ser confrontada com os dados e descartada se não provada correta. Se ele tivesse vivido em sua própria filosofia...

Em 1595, Kepler teve uma visão enquanto palestrava para um punhado de alunos dorminhocos de uma escola Luterana em Graz, Áustria. Ele percebeu que a distância entre Júpiter e o Sol é a metade da distância entre Saturno e do Sol (aproximadamente). Claro que ele sabia disso, mas de alguma forma aquilo o atingiu de novo nesse dia, com um significado mais profundo. Poderia ser uma coincidência? Nunca! Em um universo projetado por um Deus racional não havia coincidências.

Então, ele passou alguns dias tentando chegar a uma formulação geométrica do então conhecido Sistema Solar (só até Saturno). Primeiro, ele queria entender por que havia apenas seis planetas, segundo, como as suas distâncias do Sol foram fixadas.

Em um flash explosivo da intuição, Kepler percebeu que ele poderia aninhar os cinco sólidos platônicos (pirâmide, cubo, octaedro, dodecaedro, icosaedro) um dentro da outro, como bonecas russas, intercalando conchas entre eles. As conchas marcavam as órbitas planetárias, enquanto que a ordenação dos sólidos, fixados pela geometria, determinava as distâncias entre as conchas e, portanto, entre os planetas e do Sol central. Com cinco sólidos, poderia haver apenas 6 esferas intercaladas, uma para cada planeta. Voilà! Voilà!

Kepler se alegrou quando viu um arranjo preciso para cerca de 5%, um feito incrível. Lá estava, uma explicação racional para o cosmo, baseada em geometria! O impacto desta revelação catártica nunca o deixou, mesmo depois que ele usou dados de Tycho Brahe para encontrar as suas leis das órbitas elípticas; com certeza, ele argumentou, as conchas têm alguma espessura e os dados de Tycho, embora grandes, não são perfeitos. Se fossem, ele acreditava, veríamos que o seu modelo geométrico foi correto.

Kepler teria ficado completamente chocado se descobrisse que há mais de seis planetas no sistema solar, e que seu sistema simplesmente não faz qualquer sentido. Ele morreu em feliz ignorância, já que Urano foi descoberto somente em 1781. Ainda assim, as suas leis permanecem válidas e são fundamentais no estudo da Astronomia.

Seu erro foi acreditar irracionalmente a sua visão racional do cosmo, dando-lhe uma finalidade que ele (ou qualquer outra teoria científica a priori) não merecia. Nós podemos muito bem aprender com erro de Kepler, principalmente quando começamos a tomar os nossos modelos e teorias muito além do nível de validação empírica.

Embora existam muitas noções como essas ao redor, nenhuma, é claro, é mais herdeira para este tipo de racionalismo platônico como as versões atuais teorias de supercordas. (Um recente post do co-blogger Adam Frank aborda algumas destas questões.) Confiar em razão humana para descobrir "verdades eternas" é um perigo que é muito fácil sucumbir.

Eu contesto [no sentido de que] temos de olhar para a realidade física com os olhos bem abertos, reconhecendo nossa falibilidade com a humildade que a natureza merece.

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